O Projeto de Lei nº 4303/2024, de autoria do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que propõe a transformação de 104 cargos vagos de Técnico Judiciário em 63 cargos de Analista Judiciário no quadro permanente do tribunal, encontra-se no centro de um acalorado debate na Câmara dos Deputados. Apesar de ter recebido parecer favorável do relator, Deputado Domingos Neto (PSD-CE), a proposta enfrenta forte resistência de parlamentares e entidades representativas de todo o país, que levantam questionamentos sobre sua constitucionalidade, eficiência administrativa e o futuro da carreira de técnico.
A Proposta e a Justificativa do STJ
O STJ justifica a medida alegando um aumento na complexidade das atividades do tribunal, impulsionado pela evolução tecnológica e pela crescente demanda por servidores com conhecimentos jurídicos especializados, especialmente na área finalística. O argumento central é que a transformação se alinha à necessidade de modernização e maior qualificação técnica, sem acarretar aumento de despesas.
O Parecer Favorável do Relator
Em seu parecer, o Deputado Domingos Neto endossou os argumentos do STJ, classificando a proposta como “tecnicamente fundamentada e financeiramente responsável”. O relator destacou a ausência de impacto orçamentário, a suposta economia gerada, e a necessidade de adequar a força de trabalho à nova realidade funcional, citando dados internos do STJ sobre a demanda por profissionais de nível superior. O parecer defende o PL, concluindo pela constitucionalidade, juridicidade, boa técnica legislativa e mérito da proposta.
Críticas Contundentes e Pontos Ignorados no Parecer
No entanto, o parecer do relator tem sido alvo de críticas, por ignorar aspectos cruciais e potenciais prejuízos da medida. A Associação Nacional dos Técnicos do Poder Judiciário e do Ministério Público da União (ANATECJUS), em ofício enviado ao próprio relator, contesta veementemente a proposta e, por extensão, os fundamentos do parecer favorável.
Os principais pontos de crítica incluem:
- Ineficiência e Prejuízo ao Erário: A ANATECJUS argumenta que a transformação representa a perda líquida de 41 cargos, reduzindo a força de trabalho. Afirma que o STJ poderia criar especialidades para técnicos com a mesma qualificação, otimizando recursos conforme permite a Lei nº 11.416/2006, em vez de contratar analistas com salário 64% maior para realizarem, no geral, as mesmas tarefas. A associação calcula que a contratação de 63 técnicos, em vez de analistas, geraria uma economia real de mais de R$ 400 mil mensais, contrariando a alegação de economicidade do parecer.
- Desvalorização da Carreira de Técnico: Críticos apontam que a proposta ignora a evolução da carreira de técnico, que atualmente exige nível superior para ingresso e cujos ocupantes já desempenham funções complexas, inclusive em gabinetes de ministros, lado a lado com analistas. A medida é vista como um reforço de “estigmas já superados” e uma ameaça de extinção gradual da carreira, levando à desmotivação e precarização.
- Inconstitucionalidade e Usurpação de Competência: Um dos pontos mais sensíveis é o parágrafo único do Art. 2º do PL, que autoriza o Presidente do STJ a realizar futuras transformações de cargos vagos de técnico em analista administrativamente. A Deputada Erika Kokay (PT-DF) apresentou emenda supressiva argumentando que tal dispositivo é inconstitucional, pois confere autorização genérica que burla a competência do Congresso Nacional para avaliar a criação e extinção de cargos no Judiciário, conforme prevê a Constituição. Essa crítica central parece não ter sido abordada com a devida profundidade no parecer do relator, que se limitou a afirmar a constitucionalidade geral do projeto.
Próximos Passos
Com a aprovação do requerimento de urgência, o PL 4303/2024 está pronto para ser apreciado pelo Plenário da Câmara. A Deputada Erika Kokay já adiantou que, apesar de ter sido feito acordo para votação da urgência, o mérito será intensamente debatido, com a defesa de suas emendas que buscam: suprimir o parágrafo único do Art. 2º; garantir que futuras vagas de técnico sejam preenchidas por técnicos; e assegurar a manutenção da proporcionalidade atual entre as carreiras.
O embate coloca em lados opostos a visão gerencial do STJ, focada em especialização e suposta modernização, e a visão de parlamentares e servidores, que defendem a valorização da carreira de técnico, a manutenção da força de trabalho, a eficiência real dos gastos públicos e o respeito às prerrogativas constitucionais do Congresso Nacional. O desfecho no Plenário definirá não apenas a configuração do quadro do STJ, mas também pode sinalizar tendências para outras carreiras no serviço público.
A ANATCJUS buscará diálogo com o relator do PL, Deputado Domingos Neto, que não teve tempo hábil para analisar as argumentações produzidas em Ofício encaminhado no mesmo dia da emissão de seu parecer, bem como com os demais parlamentares para apresentar as preocupações da categoria e defender uma reestruturação que promova mais equidade e isonomia entre os cargos no PJU.
Técnicos Judiciários e Técnicos do Ministério Público da União, filiem-se, participem e fortaleçam nossa causa!